Studio Flâneur

Chão Arejado Livreto (PDF)

R$ 25,00

“então, camaradas, qual é a natureza da nossa vida? enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando e os que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. nenhum animal (…) sabe o que é felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. nenhum animal (…) é livre. a vida de um animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua.

será isso, apenas, a ordem natural das coisas? será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes? não, camaradas, mil vezes não! o solo (…) é fértil, o clima é bom, ela pode oferecer alimentos em abundância a um número de animais muitíssimo maior do que o existente. só esta nossa fazenda comportaria uma dúzia de cavalos, umas vinte vacas, centenas de ovelhas – vivendo todos num conforto e com uma dignidade que, agora, estão além de nossa imaginação. por que, então, permanecemos nesta miséria? porque quase todo o produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos. eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. resume-se em uma só palavra – homem. o homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. retire-se da cena o homem, e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre.

o homem é a única criatura que consome sem produzir. não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado,não corre o suficiente para alcançar uma lebre. mesmo assim, é o senhor de todos os animais. põe-nos a trabalhar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante. nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza e, no entanto, nenhum de nós possui mais do que a própria pele. as vacas, que aqui vejo à minha frente, quantos litros de leite terão produzido este ano? e que aconteceu a esse leite, que deveria estar alimentando robustos bezerrinhos? desceu pela garganta dos nossos inimigos. e as galinhas, quantos ovos puseram este ano, e quantos se transformaram em pintinhos? os restantes foram para o mercado, fazer dinheiro para jones e seus homens. e você, quitéria, diga-me onde estão os quatro potrinhos que deveriam ser o apoio e o prazer da sua velhice? foram vendidos com a idade de um ano – nunca você tornará a vê-los. como paga pelos seus quatro partos e por todo o seu trabalho no campo, que recebeu você, além de ração e baia?

mesmo miserável como é, nossa vida não chega ao fim de modo natural. não me queixo por mim que tive até muita sorte. estou com doze anos e sou pai de mais de quatrocentos porcos. isto é a vida normal de um varrão. mas, no fim, nenhum animal escapa ao cutelo. vós, jovens leitões que estais sentados a minha frente, não escapareis de guinchar no cepo dentro de um ano. todos chegaremos a esse horror, as vacas, os porcos, as galinhas, as ovelhas, todos. nem mesmo os cavalos e os cachorros escapam a esse destino. você, sansão, no dia em que seus músculos fortes perderem a rigidez, jones o mandará para o carniceiro e você será degolado e fervido para os cães de caça. quanto aos cachorros, depois de velhos e desdentados, jones amarra-lhes uma pedra ao pescoço e joga-os na primeira lagoa.

não está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na tirania dos seres humanos? basta que nos livremos do homem para que o produto de nosso trabalho seja somente nosso.”

george orwell,
“a revolução dos bichos”